No atual cenário da tributação pelo lucro real, uma recente controvérsia ganhou destaque: a restrição imposta pela Instrução Normativa RFB nº 2.201/2024 à inclusão de valores oriundos da reserva de incentivos fiscais capitalizada no cálculo dos Juros sobre Capital Próprio (JCP). Essa limitação, introduzida por ato infralegal, tem sido judicialmente questionada por violar o princípio da legalidade tributária e desrespeitar a natureza jurídica do capital social.
Juros sobre Capital Próprio e a Reserva de Incentivos Fiscais
Os JCP, instituídos pelo art. 9º da Lei nº 9.249/1995, constituem uma forma de remuneração dedutível da base de cálculo do IRPJ e da CSLL pelas empresas tributadas pelo lucro real. O cálculo dessa dedução é limitado às contas do patrimônio líquido previstas no § 8º do mesmo artigo, cuja redação foi alterada pela Lei nº 14.789/2023 para vedar a consideração da reserva de incentivos fiscais prevista no art. 195-A da Lei das S.A. (Lei nº 6.404/76).
Contudo, a norma legal não proibiu a consideração de tais valores quando esses forem integralizados ao capital social da companhia. Ou seja, ao serem incorporadas à conta de capital, as reservas perdem sua natureza anterior e passam a compor validamente a base de cálculo do JCP, nos termos do inciso I do § 8º do art. 9º da Lei nº 9.249/95.
O Excesso Regulamentar da IN RFB nº 2.201/2024
A Instrução Normativa RFB nº 2.201/2024, ao alterar o art. 75 da IN nº 1.700/2017, passou a vedar expressamente a consideração, no cálculo dos JCP, não apenas da reserva de incentivos fiscais, mas também das parcelas dessa reserva que tenham sido destinadas ao capital social ou à reserva de capital.
Essa ampliação, no entanto, configura flagrante ilegalidade, por três razões fundamentais:
- Violação ao princípio da legalidade tributária (CF/88, art. 150, I) – A IN criou nova hipótese de restrição à dedutibilidade fiscal não prevista em lei, com efeitos diretos na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, o que é vedado por norma constitucional;
- Violação à natureza jurídica do capital social – Ao ser integralizada, a reserva de incentivos fiscais passa a compor definitivamente o capital social da empresa. A lei permite o cálculo de JCP sobre o capital social integralizado, não havendo base legal para sua segregação artificial;
- Afirmação equivocada sobre não tributação prévia – Ainda que a reserva de incentivos fiscais não tenha sido tributada originalmente, isso não impede que, após sua capitalização, integre a base do JCP, uma vez que o legislador não condicionou a dedutibilidade dos JCP à prévia tributação dos componentes do patrimônio líquido.
A Destinação Legal e Societária da Reserva
A própria Lei nº 14.789/2023, ao alterar o art. 195-A da Lei nº 6.404/1976, admite expressamente duas destinações para a reserva de incentivos fiscais:
1. Absorção de prejuízos;
2. Aumento do capital social.
Portanto, ao vedar o cômputo dos JCP sobre valores regularmente destinados ao capital social, a IN 2.201/2024 desrespeita inclusive o próprio texto da legislação que a Receita Federal busca regulamentar.
Conclusão: Ilegalidade e Oportunidade de Defesa
A vedação imposta pela IN RFB nº 2.201/2024 é manifestamente ilegal por exceder os limites da lei, ampliar restrições tributárias sem amparo legislativo e ignorar a natureza das contas contábeis que compõem o patrimônio líquido.
Empresas que possuíam saldos na reserva de incentivos fiscais e os utilizaram para aumento de capital social até 31/12/2023 — conforme permitido em lei — possuem fundamento sólido para sustentar o direito de computar tais valores na base de cálculo dos JCP, com consequente dedução fiscal.
Trata-se de uma tese relevante, com respaldo jurídico robusto e passível de judicialização imediata, sendo recomendável a adoção de medidas preventivas e/ou mandados de segurança, inclusive com pedido de tutela de urgência, para evitar autuações indevidas e garantir o aproveitamento do benefício fiscal dentro da legalidade.
Na Moisés Freire Advocacia, estamos prontos para assessorar nossos clientes com excelência técnica e estratégia jurídica, assegurando a proteção de seus direitos e a conformidade tributária de suas operações, mesmo diante de interpretações fiscais indevidas.