A Inconstitucionalidade da Tributação de Lucros de Controladas no Exterior à Luz dos Tratados Internacionais e da Legislação Brasileira

No atual cenário tributário brasileiro, um dos temas mais controversos diz respeito à possibilidade de incidência do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre lucros auferidos por controladas ou coligadas no exterior, sobretudo quando tais lucros não foram efetivamente distribuídos à controladora brasileira. Trata-se de uma questão que envolve diretamente a compatibilidade entre o ordenamento jurídico interno e os tratados internacionais firmados pelo Brasil com o objetivo de evitar a dupla tributação.

1. O Princípio da Prevalência dos Tratados Internacionais (art. 98 do CTN)

O artigo 98 do Código Tributário Nacional é claro ao dispor que:

“Os tratados e convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.”

Com base nesse dispositivo, não há dúvida de que os tratados internacionais firmados pelo Brasil para evitar a dupla tributação devem prevalecer sobre leis ordinárias, instruções normativas ou quaisquer outros atos administrativos infralegais, sempre que houver conflito entre as normas.

Diversos desses tratados adotam o princípio da tributação exclusiva pelo país de residência, o que significa que os lucros obtidos por empresas controladas domiciliadas no exterior são passíveis de tributação exclusivamente no país em que essas empresas estão sediadas, e não no país da controladora.

2. A Tributação Antecipada e o Método da Equivalência Patrimonial (MEP)

O Método da Equivalência Patrimonial (MEP) é uma técnica contábil prevista na Lei nº 6.404/76, aplicável às sociedades por ações, com o objetivo de mensurar investimentos em empresas controladas ou coligadas, refletindo no balanço patrimonial da investidora os resultados apurados pela investida.

Entretanto, com o advento da Medida Provisória nº 2.158-35/2001, especialmente em seu artigo 74, a Receita Federal passou a interpretar que os lucros apurados no exterior por meio do MEP deveriam ser adicionados ao lucro líquido da empresa controladora brasileira para fins de tributação pelo IRPJ e CSLL.

Essa interpretação foi posteriormente reforçada pela Instrução Normativa SRF nº 213/2002, cujo artigo 7º, §1º, estabelece que o resultado positivo da equivalência patrimonial deve ser computado na apuração do lucro real.

Contudo, essa normativa infralegal extrapola os limites da MP nº 2.158-35/2001 ao prever a tributação de lucros que sequer foram distribuídos, e que muitas vezes refletem elementos que não correspondem a receitas efetivas (como variação cambial ou aumento de capital). O resultado: uma tributação antecipada, indevida e sem lastro na efetiva disponibilidade econômica ou jurídica da renda, em frontal violação ao artigo 43 do CTN.

3. Violação ao Artigo 43 do CTN e à Capacidade Contributiva

Nos termos do artigo 43 do CTN, o fato gerador do imposto sobre a renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza.

Ao tributar lucros presumidos ou contábeis de controladas no exterior, ainda não disponibilizados à controladora brasileira, o Fisco viola esse princípio fundamental do direito tributário. Não há disponibilidade, tampouco ingresso de riqueza, a justificar a incidência tributária. A tributação antecipada baseada em métodos contábeis compromete o princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 145, §1º, da Constituição Federal.

4. Insegurança Jurídica e Desestímulo à Internacionalização

A adoção de critérios unilaterais para tributar lucros de controladas no exterior tem gerado forte insegurança jurídica. Muitas empresas brasileiras com atuação internacional têm se deparado com autuações baseadas exclusivamente no MEP, ignorando os tratados de bitributação firmados pelo Brasil.

Além de ilegal, tal prática desestimula a expansão internacional de empresas nacionais, tornando-as menos competitivas frente a grupos econômicos estabelecidos em países com regimes mais coerentes e alinhados aos padrões da OCDE.

5. A Ilegalidade da IN SRF nº 213/2002

A Instrução Normativa nº 213/2002, ao estender a incidência do IRPJ e CSLL sobre os lucros contábeis de empresas estrangeiras controladas por brasileiras, padece de ilegalidade formal e material.

Formalmente, ela ultrapassa o conteúdo da MP nº 2.158-35/2001, que não autorizou a tributação do MEP. Materialmente, institui tributação sem respaldo em lei e em descompasso com os tratados internacionais — afrontando o princípio da legalidade tributária (art. 150, I, CF/88).

Ademais, ao se considerar que em muitos tratados o Brasil reconheceu isenção de tributação sobre dividendos pagos por controladas estrangeiras à controladora brasileira (quando esta detém participação significativa), não há fundamento lógico ou jurídico para se exigir a tributação antecipada de lucros que, quando distribuídos, são isentos.

6. Considerações Finais

O atual entendimento de parte da Administração Tributária sobre a incidência do IRPJ e CSLL sobre lucros de controladas no exterior viola frontalmente o arcabouço legal brasileiro, bem como os compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro. A prevalência dos tratados internacionais (CTN, art. 98), a exigência de disponibilidade da renda (CTN, art. 43), e a supremacia do princípio da legalidade (CF/88, art. 150, I), impõem a ilegalidade e inconstitucionalidade dessa exigência fiscal.

É fundamental que os contribuintes estejam atentos à possibilidade de contestar tais exigências, seja administrativa, seja judicialmente, especialmente quando estejam amparados por tratados de bitributação. A jurisprudência mais atual tem sinalizado favoravelmente à tese da prevalência dos tratados e da ilegalidade da tributação baseada no MEP sem distribuição de lucros.

Nós do escritório Moisés Freire Advocacia estamos à disposição para orientar sua empresa na revisão de estratégias de internacionalização, reestruturação societária e defesa contra autuações fiscais indevidas relacionadas a lucros no exterior. Atuamos com firmeza na proteção da legalidade e da segurança jurídica dos nossos clientes.

Sobre o(a) Autor(a)

Fernando de Melo Monteiro Filho

Pós graduado em Direito da Economia e da Empresa pela FGV, pós-graduado em Direito Tributário pela PUC-MG, graduado em Direito pela PUC-MG e em Engenharia Mecânica também pela PUC-MG.

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