Daniel S. A. Cerqueira
Não acredito que ainda existam pessoas que desconheçam a relevância das empresas familiares para a economia brasileira. Caso ainda haja quem as ignore, vale lembrar que 90% das empresas no Brasil são familiares, sendo responsáveis por 75% dos empregos e por 65% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com dados do IBGE. Globalmente, as empresas familiares correspondem a aproximadamente 70% do PIB e cerca de 60% dos empregos gerados, segundo estudo publicado pela consultoria McKinsey[1] em 2023.
Os dados do IBGE apontam ainda que apenas 30% das empresas familiares chegam até a terceira geração e destas pouco mais da metade sobrevivem além da terceira geração, de sorte que, podemos inferir com certa margem de segurança, que a longevidade e sobrevivência do negócio familiar seja uma preocupação premente para os membros das famílias empresárias.
Todavia, segundo dados extraídos da 10ª Pesquisa Global sobre Empresas Familiares/2021 publicada pela PWC, apenas 24% das empresas familiares brasileiras têm um plano de sucessão formal e, 36% afirmam que “há resistência à mudança e a profissionalização”. Neste sentido John A Davis nos alerta que:
“Uma das vulnerabilidades das empresas familiares está relacionada à transição de propriedade e liderança entre gerações. A maioria dessas transições não é gerida de forma adequada, e muitas acabam resultando em fracasso tanto para a empresa quanto para a família” (John Davis, What to Watch When Planning a Family Enterprise Succession, 2019) – tradução livre.
Entre os muitos fatores que afetam o processo de transição para as futuras gerações, está a ausência de planejamento, preparação inadequada dos prováveis sucessores e a resistência dos fundadores ou da geração atual em passar o bastão para a próxima geração. Ainda segundo John A Davis:
“(…) a propriedade [da empresa] deve ser tratada como um trabalho — uma ferramenta estratégica —, mas a maioria das famílias dedica pouco tempo para considerar quem merece ser proprietário e como a propriedade deve ser estruturada. “As famílias geralmente estão no piloto automático em relação à transição de propriedade(…).” (John Davis, What to Watch When Planning a Family Enterprise Succession, 2019) – tradução livre.
Desta feita, podemos dizer que o Planejamento Sucessório vai muito além da simples constituição de meia dúzia de holdings para transferência de propriedade ou da transição de liderança para a próxima geração sem qualquer preparação prévia, é imprescindível que o processo de sucessão seja abordado de forma estratégica, equilibrando conflitos de interesse, mitigando a resistência à mudança, superando dificuldades na preparação de sucessores, entre outros desafios que naturalmente podem surgir ao longo do processo, como por exemplo, a falta de clareza sobre papéis e expectativas que agravam o risco de fragmentação e enfraquecimento do negócio.
Deve-se ter em mente, portanto, que a construção de estruturas sólidas com diretrizes claras e processos bem definidos tem o potencial de transformar eventuais dificuldades ou fragilidades, como resistência à mudança e a profissionalização, em vantagens competitivas, além de organizar e regulamentar as relações familiares e empresariais, mitigando riscos e alinhando interesses das partes envolvidas. O estabelecimento de Conselhos Consultivos e Pactos Familiares, por exemplo, auxiliam na consolidação das diretrizes e valores familiares promovendo transparência e alinhamento de interesse.
Outro ponto importante é a capacitação e desenvolvimento de lideranças entre os membros das próximas gerações para que eles possam, no momento adequado, assumir o papel de condutores dos negócios familiares. Por este motivo, a transição de poder deverá ser planejada como um processo gradual que permitirá a sucessores e sucedidos, construírem a necessária confiança para garantir a transição eficaz e eficiente de poder.
Neste contexto, não podemos deixar de enxergar a Governança Corporativa como um fundamento estratégico indispensável para o sucesso do Planejamento Sucessório. Ela não apenas alinha valores, mas também institucionaliza processos, práticas e mitiga incertezas e conflitos entre gerações.
Estruturas de Governança, como conselhos consultivos, assembleias familiares e pactos, vão além de meras práticas burocráticas. Elas devem estabelecer um espaço seguro de diálogo e alinhamento entre os membros e as diferentes gerações da família empresária, promovendo a adoção de uma mentalidade estratégica, além de organizar e regulamentar as relações familiares e empresariais.
Por fim, a Governança Corporativa não deve ser tratada como uma simples ferramenta de burocratização, como já ouvi em algumas ocasiões, mas sim como um fundamento estratégico essencial para a construção da longevidade e sustentabilidade das empresas familiares.
[1] The secrets of outperforming family-owned businesses: How they create value—and how you can become one. – McKinsey’s Private Equity & Principal Investor’s Practice and its Family-Owned Business Special Initiative – nov. 2023