Entenda o PLP nº 108/2024 e a criação do Comitê Gestor do IBS na Reforma Tributária

Introdução

A tramitação do Projeto de Lei Complementar nº 108/2024 marca uma das etapas mais relevantes da efetivação da Reforma Tributária instituída pela Emenda Constitucional nº 132/2023. Enquanto a emenda redesenhou a estrutura tributária brasileira, substituindo o modelo fragmentado de tributos sobre o consumo por dois impostos de base ampla; o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), cabe ao PLP nº 108 regulamentar os instrumentos práticos de funcionamento desse novo sistema.

O projeto não apenas estabelece normas técnicas de arrecadação e fiscalização, mas também inaugura uma governança inovadora, com a criação do Comitê Gestor do IBS (CG-IBS), responsável por centralizar a gestão do tributo em âmbito nacional. Sua estrutura e competências foram desenhadas para enfrentar um dos maiores desafios da federação brasileira: garantir a uniformidade da aplicação do imposto sem comprometer a autonomia de Estados e Municípios na titularidade das receitas.

Assim, mais do que um texto normativo, o PLP 108 representa uma tentativa de harmonizar os interesses federativos e assegurar transparência, eficiência e justiça fiscal na implementação do novo imposto sobre o consumo.

1. O Objeto da Lei

O PLP nº 108/2024 surge como o regulamento indispensável para tornar exequível a nova ordem tributária inaugurada pela Reforma. Se a Constituição, com a EC nº 132/2023, desenhou as linhas gerais do IBS e da CBS, caberá a esta lei complementar dar forma e operacionalidade ao sistema, definindo os mecanismos de gestão, fiscalização e cobrança do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

O projeto concentra-se em três eixos fundamentais. O primeiro é a instituição do Comitê Gestor do IBS (CG-IBS), concebido como órgão central de governança, incumbido de uniformizar a aplicação da legislação, administrar a arrecadação, conduzir o contencioso administrativo e coordenar as atividades de fiscalização e cobrança entre os entes federativos. Trata-se de inovação inédita no federalismo fiscal brasileiro, que rompe com a fragmentação histórica das competências tributárias e inaugura um modelo de gestão compartilhada.

O segundo eixo é a regulação do processo administrativo tributário do IBS, em especial em relação ao lançamento de ofício, à definição de prazos, à padronização de procedimentos e à centralização do julgamento administrativo. Essa uniformização é fundamental para a segurança jurídica dos contribuintes, reduzindo divergências interpretativas e evitando sobreposição de fiscalizações.

Por fim, o terceiro eixo é a distribuição da receita e a disciplina de tributos correlatos, especialmente a forma como o produto da arrecadação do IBS será repartido entre Estados, Distrito Federal e Municípios, além de regras aplicáveis ao ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação). Dessa forma, o PLP não se limita ao funcionamento interno do IBS, mas também estabelece parâmetros de repartição de receitas e mecanismos de compensação, fundamentais para preservar o equilíbrio federativo e a autonomia financeira dos entes subnacionais.

Em síntese, o objeto da lei vai muito além de regulamentar tecnicamente o IBS: busca criar uma engrenagem institucional que concilie simplicidade, padronização e cooperação federativa, ao mesmo tempo em que assegura transparência, eficiência arrecadatória e previsibilidade para contribuintes e administrações tributárias.

2. Comitê Gestor do IBS (CG-IBS)

O coração institucional do PLP nº 108/2024 é a criação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS). Trata-se de uma entidade pública de regime especial, com sede em Brasília, concebida para funcionar com independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira. Sua existência responde a uma exigência imposta pelo modelo constitucional do IBS: um tributo de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios, que exige uma instância de coordenação capaz de evitar conflitos e assegurar a aplicação uniforme da legislação em todo o território nacional.

O CG-IBS não se limita a um papel burocrático. Ele assume a condição de órgão de governança federativa, dotado de prerrogativas que historicamente estavam pulverizadas entre as administrações tributárias locais. Entre suas funções mais relevantes, destacam-se:

– Normatização e uniformização: editar regulamento único do IBS e interpretar a legislação de modo uniforme, eliminando divergências que poderiam comprometer a neutralidade do tributo;

– Gestão arrecadatória: centralizar a arrecadação, efetuar compensações, realizar retenções e proceder à distribuição do produto entre os entes federativos;

– Contencioso administrativo: exercer competência decisória sobre litígios administrativos envolvendo o IBS, garantindo um foro único e especializado;

– Integração federativa: coordenar fiscalizações e cobranças administrativas e judiciais, promovendo a atuação conjunta das administrações tributárias e procuradorias estaduais, distrital e municipais;

– Apoio social e redistributivo: gerir a devolução personalizada do IBS às famílias de baixa renda, medida que reforça a função extrafiscal e a dimensão de justiça social do tributo.

Um aspecto relevante é que o Comitê não se subordina a qualquer órgão da União, nem está vinculado hierarquicamente a entes específicos. Ao contrário, sua legitimidade deriva da paridade federativa, refletindo a necessidade de conciliar interesses de mais de 5.500 municípios e 27 unidades da federação em torno de um imposto comum.

A centralidade do CG-IBS também se revela em sua capacidade de interagir com a própria União, por meio da Receita Federal e da PGFN, em matérias relacionadas à CBS e ao IBS. Essa atuação conjunta inclui desde a padronização de obrigações acessórias até a definição de alíquotas específicas e regimes diferenciados, assegurando que a dualidade de tributos (IBS e CBS) não resulte em sobreposição de normas.

Em suma, o CG-IBS é mais que um órgão gestor: é a coluna vertebral do novo sistema tributário sobre o consumo, concebido para proporcionar harmonização, eficiência e previsibilidade, sem abdicar da autonomia arrecadatória dos entes federativos. É nesse ponto que se encontra um dos maiores desafios da Reforma: garantir que a estrutura colegiada do Comitê, com suas múltiplas representações, consiga tomar decisões céleres e eficazes diante da complexidade e da pluralidade do pacto federativo brasileiro.

3. Estrutura Organizacional

A complexidade do Comitê Gestor do IBS (CG-IBS) exige uma arquitetura institucional capaz de refletir o pacto federativo e, ao mesmo tempo, garantir eficiência administrativa. Por essa razão, o PLP nº 108/2024 detalha uma estrutura organizacional robusta, composta por órgãos deliberativos, executivos, de controle e de apoio técnico, cada qual com atribuições específicas.

No topo da hierarquia está o Conselho Superior, instância máxima de deliberação. Ele é formado por 27 representantes dos Estados e do Distrito Federal e 27 representantes dos Municípios, cuja escolha se dá por processos eleitorais internos entre os Executivos locais. Essa composição revela a preocupação em assegurar paridade federativa, dando voz equilibrada tanto aos Estados quanto ao conjunto dos Municípios. Além disso, o quórum de deliberação exige maioria qualificada, vinculando as decisões não apenas ao número de representantes, mas também ao critério populacional. Tal desenho busca evitar que Estados mais populosos ou Municípios mais numerosos capturem isoladamente o processo decisório.

Abaixo do Conselho, encontra-se a Diretoria-Executiva, órgão técnico e operacional responsável pela execução das deliberações e pela gestão cotidiana do IBS. É composta por um Diretor-Geral e por diversas diretorias temáticas: fiscalização, arrecadação e cobrança, tributação, informações econômico-fiscais, tecnologia da informação, revisão do crédito tributário, tesouraria, procuradorias e administração. Essa segmentação confere especialização às atividades e permite que o Comitê atue com maior profundidade técnica em cada área de sua competência.

Outros órgãos complementam essa estrutura: a Secretaria-Geral, responsável pelo apoio técnico-administrativo; a Assessoria de Relações Institucionais e Interfederativas, que cuida da articulação política com entes federativos e da comunicação com contribuintes; a Corregedoria, incumbida da disciplina interna e prevenção de desvios de conduta; e a Auditoria Interna, que responde pelo controle contábil e financeiro do próprio Comitê.

Esse arranjo evidencia uma clara inspiração no modelo das agências reguladoras, adaptado ao contexto do federalismo tributário. A lógica é combinar representatividade política (Conselho Superior) com capacidade técnica e administrativa (Diretoria-Executiva e órgãos auxiliares), além de mecanismos de accountability (Corregedoria, Auditoria e exigência de relatórios periódicos).

Do ponto de vista prático, porém, essa estrutura levanta desafios relevantes. A multiplicidade de órgãos decisórios e de instâncias de controle pode tornar o processo mais lento e burocrático, exigindo elevada capacidade de coordenação. Por outro lado, a exigência de alternância e de paridade entre Estados e Municípios reforça a legitimidade do CG-IBS e reduz o risco de concentração de poder em determinados grupos federativos.

Em síntese, a estrutura organizacional prevista pelo PLP 108 não se limita a um desenho formal: é uma tentativa de materializar a cooperação federativa no plano institucional, garantindo que todos os entes tenham voz, mas sem renunciar à técnica, da eficiência administrativa e da transparência na condução do novo imposto.

4. Fiscalização e Cobrança

Um dos pontos mais sensíveis da Reforma Tributária é a forma como se dará a fiscalização e a cobrança do IBS. Diferentemente do modelo atual, em que cada ente exerce isoladamente suas competências tributárias, o PLP nº 108/2024 estabelece um sistema de atuação integrada, no qual Estados, Distrito Federal e Municípios compartilham responsabilidades sob a coordenação do Comitê Gestor do IBS (CG-IBS).

A primeira inovação é a vedação à segregação de fiscalizações por porte do contribuinte, ramo de atividade ou qualquer outro critério. Isso significa que não haverá, por exemplo, uma fiscalização municipal apenas para microempresas e outra estadual para grandes corporações. A lógica é a de que o contribuinte é único perante o IBS, independentemente da sua localização ou setor econômico, e deve ser fiscalizado por um procedimento unificado, coordenado pelo Comitê.

Quando mais de um ente federativo tiver interesse sobre o mesmo sujeito passivo, fatos geradores ou período fiscal, a fiscalização deverá ser realizada de forma conjunta e integrada, cabendo ao CG-IBS disciplinar critérios de organização, rateio de custos e até mesmo a divisão proporcional do produto das multas. Essa medida tem como objetivo evitar sobreposição de esforços, duplicidade de autuações e insegurança jurídica para o contribuinte.

4.1. No campo da cobrança, a lei distingue dois planos:

– Cobrança administrativa: ficará a cargo das administrações tributárias locais (Estados, DF e Municípios), sempre sob coordenação do Comitê. Nessa fase, incluem-se as modalidades de pagamento, parcelamento, autorregularização, protesto de títulos, arrolamento de bens e medidas de prevenção à inadimplência.

– Cobrança judicial e extrajudicial: será responsabilidade das Procuradorias estaduais, distrital e municipais, que atuarão em juízo para exigir o crédito tributário constituído.

Um ponto relevante é o prazo máximo de 180 dias para a cobrança administrativa. Ultrapassado esse período sem solução, o processo deverá ser encaminhado à Procuradoria competente para fins de cobrança judicial. Com isso, busca-se evitar a inércia administrativa e garantir celeridade na recuperação do crédito.

O modelo também admite hipóteses de delegação de competências entre os entes federativos, formalizadas por convênios ou acordos, desde que submetidos ao CG-IBS. Esse mecanismo amplia a flexibilidade do sistema e permite que entes com maior capacidade técnica ou estrutural auxiliem aqueles com menor aparato administrativo.

Do ponto de vista prático, a centralização da coordenação pelo CG-IBS promete maior racionalidade e uniformidade na aplicação do imposto. Contudo, também impõe desafios significativos: a necessidade de integração entre milhares de administrações locais, a harmonização de sistemas tecnológicos distintos e o risco de disputas políticas quanto à titularidade de fiscalizações de maior relevância econômica.

Em síntese, o regime de fiscalização e cobrança do IBS previsto no PLP 108 representa uma ruptura com a fragmentação atual, caminhando em direção a um modelo cooperativo, uniforme e tecnicamente coordenado, que privilegia a eficiência arrecadatória sem abrir mão da autonomia dos entes federativos no exercício de suas competências.

5. Orçamento e Financiamento

A sustentabilidade do Comitê Gestor do IBS (CG-IBS) depende de um modelo de financiamento que garanta autonomia financeira sem comprometer a arrecadação dos entes federativos. O PLP nº 108/2024 traça regras específicas para estruturar esse orçamento, equilibrando a necessidade de custeio do órgão com a preservação do produto arrecadado do imposto.

O financiamento do CG-IBS será realizado, essencialmente, pela retenção de até 0,2% do produto da arrecadação do IBS de cada ente federativo. Essa retenção ocorre de forma automática e mensal, incidindo sobre os valores destinados a Estados, Distrito Federal e Municípios. O percentual exato será definido anualmente pelo Conselho Superior do Comitê, que também aprovará a proposta orçamentária a ser executada no exercício subsequente.

Além disso, a lei autoriza a destinação de até 0,05% da arrecadação para programas de cidadania fiscal, voltados ao estímulo da emissão de documentos fiscais pelos consumidores. Essa previsão revela uma dimensão pedagógica e extrafiscal do novo modelo, que busca não apenas arrecadar, mas também fomentar a conscientização tributária da sociedade.

Outro ponto relevante é a previsão de relatórios periódicos: bimestrais, quadrimestrais e anuais, que deverão detalhar receitas, despesas, restos a pagar, dívidas e disponibilidade de caixa. Esses relatórios serão submetidos a controles internos e externos, com destaque para a fiscalização dos Tribunais de Contas competentes e, em casos específicos, pelo próprio Tribunal de Contas da União. Assim, busca-se assegurar não apenas transparência, mas também accountability federativa, já que os recursos utilizados são provenientes da arrecadação destinada a todos os entes.

A lei também prevê mecanismos de ajuste automático em caso de rejeição da proposta orçamentária pelos Legislativos locais: na ausência de aprovação, aplica-se o último orçamento validado, evitando a paralisação do Comitê. Esse detalhe mostra a preocupação do legislador em blindar o CG-IBS contra impasses políticos que poderiam comprometer seu funcionamento.

Em termos críticos, o teto de 0,2% parece razoável para custear as atividades do Comitê, sobretudo considerando o montante bilionário de arrecadação do IBS. Contudo, o modelo exige atenção para evitar sobrefinanciamento e uso ineficiente dos recursos. Para tanto, o PLP autoriza que eventuais excedentes sejam destinados ao orçamento de exercícios futuros, reforçando a disciplina fiscal do órgão.

Em suma, o regime orçamentário do CG-IBS foi concebido para assegurar autonomia financeira, previsibilidade e transparência, características indispensáveis para um órgão que administrará o principal tributo do novo sistema de consumo. Ainda assim, sua efetividade dependerá da capacidade de gestão do Comitê e do rigor na fiscalização por parte dos entes e da sociedade.

6. Infrações e Penalidades

O PLP nº 108/2024 dedica capítulo próprio à disciplina das infrações e penalidades relacionadas ao IBS, estabelecendo um regime de responsabilidade que se pauta pela objetividade. Considera-se infração toda ação ou omissão que importe em descumprimento de obrigação tributária principal ou acessória, sendo irrelevante a intenção do agente ou a extensão do resultado produzido. A lei também explicita que respondem pela infração não apenas os contribuintes, mas todos aqueles que tenham concorrido para a prática irregular ou dela se beneficiado, ampliando o alcance das sanções e reforçando o caráter preventivo do sistema.

6.1. Multas e Encargos Moratórios

No que se refere às obrigações principais, o regime de encargos é claro e rigoroso. O atraso no pagamento do imposto gera multa moratória de 0,33% ao dia, limitada a 20% do valor devido, acrescida de juros calculados pela taxa Selic acumulada, mais 1% no mês do pagamento. Para situações mais graves, como o não recolhimento do IBS declarado, a omissão na declaração de valores devidos ou a utilização de créditos inexistentes ou indevidos, prevê-se a aplicação da multa de ofício no patamar de 75% do valor do imposto. Essa previsão traduz a intenção do legislador de dotar o novo sistema de um instrumento punitivo suficientemente severo para inibir práticas de fraude ou sonegação.

6.2. Penalidades Acessórias

As obrigações acessórias também são objeto de atenção. A ausência de inscrição no cadastro de contribuintes, o não fornecimento de informações periódicas ou exigidas pela administração, a omissão de alterações relevantes no contrato social ou no domicílio fiscal e a emissão de documentos fiscais com erros ou omissões geram penalidades específicas. Essas multas variam conforme a gravidade da infração, podendo ser fixadas em valores determinados ou limitadas a percentuais do tributo devido. A lógica é de que a falta de cumprimento das obrigações instrumentais não compromete apenas o controle do imposto, mas afeta a própria transparência do sistema, razão pela qual a lei trata tais condutas com a devida severidade.

6.3. Unidade Padrão Fiscal (UPF/IBS)

Para padronizar a aplicação dessas penalidades em âmbito nacional, o projeto institui a Unidade Padrão Fiscal do IBS (UPF/IBS), fixada inicialmente em R$ 200,00 e atualizada mensalmente pelo IPCA. Esse mecanismo busca conferir uniformidade e previsibilidade, evitando que cada ente federativo aplique valores distintos para infrações equivalentes. Assim, a UPF/IBS se consolida como um parâmetro único de valoração das sanções, fortalecendo o ideal de simplificação e harmonização que inspira a própria criação do IBS.

6.4. Aspectos Críticos

Apesar de seu caráter inovador, o regime sancionatório não está isento de críticas. A multa de ofício de 75% poderá suscitar questionamentos constitucionais sob a ótica dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, especialmente em casos de erro material ou de boa-fé do contribuinte. A possibilidade de cumulação entre penalidades por descumprimento de obrigações principais e acessórias, prevista de forma expressa, também tende a elevar a litigiosidade, ainda que sua função dissuasória seja evidente. Por outro lado, a uniformização das penalidades, associada à criação da UPF/IBS, representa avanço significativo em relação ao sistema atual, marcado por legislações fragmentadas e heterogêneas. Nesse sentido, o PLP nº 108/2024 reforça a busca por um modelo mais coerente, previsível e transparente, pilares indispensáveis para a efetividade do novo regime tributário sobre o consumo.

7. Processos Administrativos

O PLP nº 108/2024 dedica disciplina específica ao tratamento dos processos administrativos ligados ao IBS, buscando conferir uniformidade, celeridade e segurança jurídica à tramitação de litígios no âmbito do novo sistema tributário. Trata-se de um ponto essencial, pois o contencioso administrativo tem impacto direto sobre a arrecadação, sobre a previsibilidade para os contribuintes e sobre a própria legitimidade do Comitê Gestor do IBS (CG-IBS).

7.1. Centralização do Julgamento

Uma das inovações mais relevantes é a atribuição ao CG-IBS da competência para julgar os litígios administrativos decorrentes do lançamento de ofício e de outras controvérsias relacionadas ao IBS. Essa centralização elimina o risco de interpretações divergentes entre Estados e Municípios, garantindo que a aplicação do imposto seja uniforme em todo o território nacional. Ao mesmo tempo, cria um foro especializado, apto a lidar com a complexidade técnica que envolve o novo tributo.

7.2. Prazos e Procedimentos

A lei impõe limites temporais ao processo administrativo, estabelecendo que a cobrança administrativa não poderá ultrapassar 180 dias. Ultrapassado esse prazo, os autos deverão ser encaminhados à Procuradoria competente para a execução judicial. Esse dispositivo reforça a ideia de eficiência e combate à morosidade, evitando que créditos tributários fiquem indefinidamente em cobrança administrativa. O regulamento único a ser elaborado pelo Comitê definirá os prazos específicos de defesa, recurso e julgamento, assegurando tratamento isonômico aos contribuintes em todo o país.

7.3. Resolução de Conflitos Federativos

O PLP também prevê que eventuais divergências entre entes federativos quanto à interpretação de normas ou quanto à titularidade de fiscalizações serão solucionadas dentro do próprio CG-IBS. Esse desenho institucional afasta a possibilidade de múltiplas autuações sobre o mesmo fato gerador e fortalece a autoridade do Comitê como instância de coordenação do federalismo fiscal.

7.4. Garantias ao Contribuinte

Embora o texto da lei privilegie a eficiência arrecadatória, não deixa de assegurar direitos fundamentais ao contribuinte. O processo administrativo deverá observar os princípios do contraditório, da ampla defesa e da motivação das decisões, de modo a assegurar legitimidade às autuações e às penalidades aplicadas. O caráter colegiado do julgamento também contribui para reduzir riscos de parcialidade e reforça a transparência das decisões.

7.5. Aspectos Críticos

Apesar de representar avanço em termos de unificação e simplificação, o modelo suscita desafios práticos. A concentração de todo o contencioso em um único órgão pode sobrecarregar o CG-IBS, sobretudo em seus primeiros anos de funcionamento. Há também o risco de que a multiplicidade de interesses federativos represente obstáculos à celeridade decisória. Ainda assim, a criação de um processo administrativo único constitui um passo decisivo para a segurança jurídica, eliminando a fragmentação hoje existente e oferecendo ao contribuinte um sistema mais previsível e transparente.

8. Transparência e Publicidade

A credibilidade do Comitê Gestor do IBS (CG-IBS) não depende apenas de sua capacidade técnica e de sua legitimidade federativa, mas também do grau de transparência com que conduzirá suas atividades. O PLP nº 108/2024 dedica dispositivos expressos à publicidade de atos, relatórios e demonstrações financeiras, reconhecendo que a gestão de um tributo nacional compartilhado exige máxima visibilidade perante entes federativos, contribuintes e sociedade civil.

8.1. Atos Normativos e Regulamentares

O projeto determina que todos os atos normativos do Comitê como regulamentos, resoluções e instruções de caráter geral sejam publicados de forma ampla, preferencialmente em meio eletrônico, garantindo acesso público e gratuito. Essa previsão busca assegurar previsibilidade e segurança jurídica, de modo que as empresas e cidadãos possam planejar suas condutas com base em normas claras e acessíveis.

8.2. Relatórios de Arrecadação e Distribuição

A lei impõe ao CG-IBS a obrigação de elaborar relatórios periódicos (bimestrais, quadrimestrais e anuais) detalhando a arrecadação, a distribuição de receitas entre os entes federativos, as compensações realizadas e a devolução do imposto às famílias de baixa renda. Esses relatórios deverão ser individualizados por Estado, Distrito Federal e Município, evitando opacidade sobre os fluxos financeiros e reforçando a transparência do pacto federativo.

8.3. Demonstrações Contábeis e Patrimoniais

O Comitê também deverá publicar suas demonstrações contábeis anuais, incluindo balanço patrimonial, demonstração do resultado do exercício, fluxos de caixa, mutações do patrimônio líquido e variações patrimoniais. O cumprimento desses padrões aproxima o CG-IBS das práticas de accountability típicas de entidades reguladoras e órgãos de administração financeira, permitindo maior fiscalização externa.

8.4. Controle e Fiscalização

A publicidade das informações não se restringe à divulgação. O PLP prevê mecanismos de controle interno e externo, atribuindo papel relevante aos Tribunais de Contas, tanto estaduais quanto ao Tribunal de Contas da União, quando couber. Essa arquitetura fortalece a vigilância sobre a correta aplicação dos recursos destinados ao funcionamento do Comitê, que, como visto, são financiados diretamente pela arrecadação do IBS.

8.5. Aspectos Críticos

Embora as disposições legais apontem para um modelo transparente, o desafio prático será transformar a obrigação formal de publicidade em uma efetiva cultura de abertura de dados. É fundamental que as informações sejam divulgadas em formatos acessíveis, atualizados e interoperáveis, de modo a permitir o controle social e a análise independente por especialistas. Outro ponto sensível é assegurar que os relatórios e demonstrações não sejam meramente protocolares, mas contenham dados úteis e confiáveis para avaliação da gestão do Comitê.

Em síntese, a disciplina de transparência e publicidade reforça a legitimidade do CG-IBS e o alinha às melhores práticas de governança pública. Trata-se de elemento essencial para que a sociedade, os contribuintes e os próprios entes federativos confiem na lisura e na eficiência da administração do novo imposto sobre bens e serviços.

Conclusão

O PLP nº 108/2024 é mais do que um complemento técnico à Emenda Constitucional nº 132/2023: trata-se da engrenagem institucional que dará vida ao novo modelo de tributação sobre o consumo no Brasil. Sua principal contribuição é a criação do Comitê Gestor do IBS (CG-IBS), concebido como órgão de governança compartilhada e dotado de competências amplas, que vão desde a edição de regulamentos até a arrecadação, fiscalização, cobrança e julgamento administrativo do tributo.

A lei, entretanto, não se limita à criação de uma nova estrutura. Ela desenha um regime de responsabilização e penalidades para garantir efetividade ao IBS, estabelece padrões de financiamento e orçamento para o funcionamento do Comitê, define procedimentos administrativos uniformes e impõe rigorosos mecanismos de transparência e publicidade, todos elementos que procuram romper com a fragmentação e a heterogeneidade do sistema atual.

Do ponto de vista federativo, o CG-IBS representa uma inovação inédita: pela primeira vez, Estados, Distrito Federal e Municípios compartilharão um mesmo espaço institucional de deliberação e gestão de um tributo de base nacional. Isso tem o potencial de reduzir conflitos, harmonizar interpretações e simplificar a vida do contribuinte. Contudo, também impõe desafios significativos, como a necessidade de decisões colegiadas céleres em um ambiente marcado por interesses divergentes e pela complexidade política do federalismo brasileiro.

No campo sancionatório, a padronização das multas e a criação da UPF/IBS são avanços notáveis, mas a fixação de percentuais elevados, como a multa de ofício de 75%, pode gerar discussões à luz da proporcionalidade e da razoabilidade. Da mesma forma, a concentração do contencioso administrativo em um único órgão tende a trazer maior uniformidade, mas corre o risco de sobrecarga e de lentidão decisória nos primeiros anos de funcionamento.

Em síntese, o PLP nº 108/2024 não é apenas uma lei complementar de caráter técnico, mas o pilar jurídico-político que sustentará a implementação prática do IBS. Se bem executado, poderá representar um marco de simplificação, transparência e previsibilidade no sistema tributário brasileiro. Se mal-conduzido, pode reproduzir problemas de centralização, burocratização e disputas federativas. A maturidade institucional do CG-IBS e a qualidade da sua gestão serão, portanto, determinantes para o êxito ou fracasso da mais profunda reforma tributária do consumo já realizada no país.

Sobre o(a) Autor(a)

Fernando de Melo Monteiro Filho

Pós graduado em Direito da Economia e da Empresa pela FGV, pós-graduado em Direito Tributário pela PUC-MG, graduado em Direito pela PUC-MG e em Engenharia Mecânica também pela PUC-MG.

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