Análise Jurídica, Aspectos Práticos e Impactos Estratégicos da Reforma Tributária do Consumo

A Lei Complementar nº 214, de 2025, regulamentando dispositivos da Emenda Constitucional nº 132, sancionada em dezembro de 2023, inaugura uma das mais profundas alterações no sistema tributário brasileiro desde a Constituição de 1988. O eixo central dessa reforma é a criação de dois tributos de base ampla e não cumulativos: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre estados, municípios e Distrito Federal, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União. Esses tributos substituirão gradativamente ICMS, ISS, PIS e Cofins, preservando, em alguns casos, o IPI apenas para produtos específicos, e se consolidam sob o princípio da neutralidade tributária.

A amplitude conceitual da nova legislação é notável. Considera-se operação com bens qualquer ato envolvendo bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, inclusive direitos, e operação com serviços toda prestação que não se enquadre na definição anterior. A incidência abrange transações onerosas e não onerosas, o que inclui compra e venda, permuta, dação em pagamento, licenciamento, arrendamento mercantil, mútuo oneroso, doações com contraprestação e fornecimentos gratuitos de bens e serviços em benefício de partes relacionadas. Ao mesmo tempo, a lei exclui do campo de incidência operações decorrentes de vínculo empregatício, transferências internas entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, transmissões societárias, recebimento de dividendos e outros rendimentos financeiros, entre hipóteses previstas expressamente.

A definição do momento da ocorrência do fato gerador passa a ser mais objetiva, fixando-se, como regra geral, o instante do fornecimento, ainda que de execução continuada ou fracionada. Para operações em que não se possa precisar a entrega ou a conclusão do serviço, como nos casos de fornecimento de energia elétrica, telecomunicações, gás canalizado ou abastecimento de água, considera-se ocorrido o fato gerador no momento do vencimento da obrigação de pagamento. O local da operação segue critérios específicos: para bens móveis, será o da entrega ou disponibilização ao destinatário; para bens imóveis e serviços sobre eles, o da localização do imóvel; para serviços prestados sobre a pessoa física, o local da prestação; e, para diversas hipóteses de serviços complexos, o local será definido de forma a privilegiar o destino do consumo, evitando disputas de competência como as que marcaram a vigência do ISS e do ICMS.

A base de cálculo corresponde ao valor da operação acrescido de tributos, tarifas, encargos, transporte e demais importâncias cobradas, excluindo-se, de forma expressa, os valores do próprio IBS e da CBS, os descontos incondicionais e determinados reembolsos. As alíquotas serão fixadas por lei de cada ente federativo, mas, na ausência desta, aplicar-se-á a chamada alíquota de referência definida por Resolução do Senado Federal. O contribuinte é, em regra, o fornecedor, mas há previsão expressa de responsabilidade solidária e substitutiva para diversas situações, como transporte de mercadoria desacobertada, operações realizadas por plataformas digitais e entrega de bens sem documentação fiscal idônea.

Um dos instrumentos mais inovadores é o chamado Split Payment, mecanismo tecnológico que, no momento da liquidação financeira da transação, retém automaticamente o valor do IBS e da CBS, creditando ao fornecedor apenas o valor líquido. Com isso, garante-se que o aproveitamento do crédito pelo adquirente esteja condicionado ao efetivo recolhimento do tributo na etapa anterior. O sistema funcionará como uma conta corrente tributária, compensando débitos e créditos de forma automatizada, com devolução de eventual saldo credor no prazo de até três dias úteis após a apuração.

O quadro a seguir sintetiza os principais marcos temporais da transição:

AnoEtapa de Implementação
2025Instalação do Comitê Gestor do IBS, criação da plataforma unificada e início da regulamentação
2026Testes operacionais do Split Payment e início da aplicação gradual das novas alíquotas
2027Substituição integral de PIS e Cofins pela CBS e implementação plena do Split Payment
2033Conclusão da transição do ICMS e ISS para o IBS

A operacionalização do novo sistema será feita de forma unificada. O Comitê Gestor do IBS, inédito na estrutura tributária nacional, terá competência para editar regulamentos, uniformizar interpretações, arrecadar, processar e julgar o contencioso administrativo. Atuará em conjunto com a Receita Federal do Brasil, que também será responsável pela CBS. Contribuintes e demais obrigados terão acesso a uma plataforma eletrônica unificada para consulta, apuração e pagamento, além de cadastro nacional com identificação única, Domicílio Tributário Eletrônico centralizado e emissão de documento fiscal eletrônico com leiaute padronizado para todo o país.

Nas operações de comércio exterior, a incidência do IBS e da CBS nas importações alcança bens e serviços, materiais e imateriais, incluindo direitos, seguindo as mesmas regras de base de cálculo e alíquotas aplicáveis ao fornecimento interno. No caso das exportações, há imunidade plena, assegurando-se o aproveitamento de créditos, inclusive nas chamadas exportações sem saída física do território nacional, como aquelas destinadas a plataformas e embarcações, e prevendo-se a suspensão tributária para bens com fim específico de exportação.

A reforma também preserva regimes aduaneiros especiais como o trânsito aduaneiro, depósitos alfandegados, admissão temporária, drawback, Recof e Repetro, estendendo seus efeitos ao IBS, que é de competência compartilhada. Além disso, introduz regimes de incentivo à aquisição de bens de capital, como o Reporto, o Reidi, o Reneval e um regime geral aplicável a setores diversos, todos estruturados com suspensão inicial do IBS e da CBS, convertida em alíquota zero após o cumprimento de prazos ou condições específicas.

A dinâmica de adaptação empresarial a essa nova realidade exigirá uma revisão estratégica de contratos, sistemas, fluxos de caixa e práticas de compliance tributário. Será fundamental acompanhar a regulamentação complementar, pois a Lei Complementar nº 214 estabelece diversas remissões a atos do Comitê Gestor e da Receita Federal que definirão detalhes operacionais, alíquotas e procedimentos.

O sucesso dessa transição dependerá da capacidade de as empresas implementarem controles internos robustos, alinharem sua tecnologia de gestão fiscal às novas exigências e reconfigurarem sua estrutura de precificação e negociação. A neutralidade tributária prometida pela reforma somente se concretizará para aqueles que souberem integrar, de forma estratégica, o aproveitamento de créditos, a gestão do Split Payment e a conformidade com as novas regras operacionais.

Assim, diante das profundas alterações promovidas pela Lei Complementar nº 214/2025 e pela Emenda Constitucional nº 132/2023, é imprescindível que empresas e empreendedores contem com orientação técnica qualificada para assegurar uma transição segura e estratégica ao novo modelo tributário. Nós, da Moisés Freire Advocacia, estamos preparados para atuar de forma personalizada em cada etapa desse processo, oferecendo assessoria jurídica especializada, planejamento tributário e suporte completo na adequação operacional, de modo a garantir conformidade, minimizar riscos e identificar oportunidades de otimização fiscal no cenário inaugurado pela Reforma Tributária do consumo.

Sobre o(a) Autor(a)

Fernando de Melo Monteiro Filho

Pós graduado em Direito da Economia e da Empresa pela FGV, pós-graduado em Direito Tributário pela PUC-MG, graduado em Direito pela PUC-MG e em Engenharia Mecânica também pela PUC-MG.

Você também pode gostar

ATENÇÃO: MENSAGEM IMPORTANTE


A Moisés Freire Advocacia informa para todos os seus clientes que NÃO efetua cobranças por WhatsApp!

Caso venha receber alguma informação ou solicitação de cobrança por esse canal, por favor, entre em contato com nossa equipe no telefone (31) 3287-1412, antes de efetuar qualquer transação.

Fique atento e evite fraudes!

Equipe Moisés Freire Advocacia

Isso vai fechar em 20 segundos

Política de Privacidade

A sua privacidade é importante para nós. É política da Moisés Freire Advocacia respeitar a sua privacidade em relação a qualquer informação sua que possamos coletar no site www.moisesfreire.com.br.

Solicitamos informações pessoais apenas quando realmente precisamos delas para lhe fornecer um serviço. Fazemos por meios justos e legais, com o seu conhecimento e consentimento. Também informamos por que estamos coletando e como será usado.