Os Impactos Jurídico-Tributários da Reforma Tributária no Setor de Energia Elétrica segundo a LC nº 214 de 2025

1. Introdução

A entrada em vigor da Lei Complementar nº 214/2025, que institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), representa uma inflexão histórica no sistema tributário brasileiro, especialmente para setores complexos como o de energia elétrica.

Tradicionalmente sujeito a múltiplas incidências (ICMS, ISS, PIS, Cofins), encargos setoriais, regimes especiais e convênios interestaduais, o setor de energia elétrica terá de reestruturar seus fluxos operacionais, contábeis e contratuais à luz das novas regras.

Este artigo propõe uma leitura crítica e comparativa das principais mudanças, com foco nas implicações jurídicas, operacionais e estratégicas para os agentes do setor.

2. Comparativo Normativo: Regime Atual x Regime da LC 214/2025

AspectoRegime Atual (antes da LC 214/2025)Novo Regime (LC 214/2025)
Tributos incidentesICMS, PIS, Cofins, ISS, IRPJ, CSLLIBS (estadual e municipal), CBS (federal)
Fato geradorCirculação de mercadoria / prestação de serviçoMomento do pagamento devido (art. 10, §3º)
Local de incidênciaOrigem (ICMS) e local do prestador (ISS)Destino / local de consumo (art. 11, §7º)
Equiparação à mercadoriaEnergia elétrica como mercadoria para ICMSEnergia elétrica como bem material (art. 3º, §1º)
Base de cálculoValor da operação + encargos (interpretação judicializada)Valor total cobrado, inclusive tributos e tarifas (art. 12)
CréditosRegimes cumulativo/não cumulativo com restriçõesDireito amplo de crédito condicionado à extinção do débito (art. 47)
IncentivosConvênios ICMS, Lei nº 13.169/2015, Reidi, isençõesNovo Reidi, suspensão do IBS/CBS, ZPEs, cashback
Tributação na geração distribuídaReduções e isenções específicas por lei e convênioExclusão da energia compensada da base de IBS/CBS (art. 28, §3º)

3. Incidência e Base de Cálculo: Ampliação do Campo Tributável

A LC nº 214/2025 adota expressamente a incidência de IBS e CBS sobre a energia elétrica, equiparando-a a bem material com valor econômico. Essa redação confere segurança jurídica ao entendimento já consolidado no STJ (REsp 1.144.469/PR), mas ao mesmo tempo amplia a base tributável ao incluir encargos e tributos na base de cálculo.

Essa inclusão poderá gerar bis in idem tributário se não houver uma revisão regulatória paralela da ANEEL para excluir tributos e encargos das tarifas-base. Isso reabre discussões semelhantes às travadas no STF sobre TUST/TUSD e ICMS (RE 593.824/MG) e no STJ quanto à inclusão de tributos na base de outros tributos.

4. Fato Gerador e Local da Operação: Novos Critérios com Riscos Contratuais

O fato gerador do IBS/CBS será o momento do pagamento devido, não necessariamente da entrega física da energia. Nas operações de fornecimento contínuo ou fracionado, isso exigirá reestruturações nos contratos e no compliance de faturamento.

O local da operação passa a seguir o critério do destino, sendo relevante o domicílio do adquirente ou do consumidor final — com regra especial para o mercado multilateral (consumidor com balanço energético devedor).

A modificação do local da operação altera o destino do recolhimento, o que impacta diretamente os fundos setoriais, a partilha federativa e os fluxos financeiros entre estados e municípios. Exige, ainda, revisão dos contratos de fornecimento e dos sistemas de ERP.

5. Recolhimento e Diferimento: Quem Paga o IBS/CBS?

A nova sistemática determina que o recolhimento do IBS/CBS nas operações com energia elétrica será concentrado em momentos específicos: apenas no fornecimento final para consumo ou para contribuintes não regulares.

Responsáveis pelo recolhimento:

1. Distribuidora: mercado regulado (ACR);

2.  Alienante: mercado livre (ACL);

3.  Adquirente: mercado multilateral (responsabilidade solidária);

4.Transmissora: consumidor conectado diretamente à rede básica.

As operações com diferimento não geram direito a crédito de IBS/CBS — somente quando há extinção da obrigação tributária, como nos casos em que a transmissora recolhe. Isso poderá quebrar a cadeia de créditos e gerar cumulatividade disfarçada.

6. Créditos e Estornos: Regime mais amplo, mas condicionado

O novo regime prevê a apropriação imediata de créditos de IBS e CBS nos casos de extinção da obrigação (art. 47), inclusive via pagamento, split payment, compensação etc. No entanto, exige estorno do crédito em casos de furto, deterioração ou perda dos bens — incluindo energia elétrica perdida em trânsito.

As empresas devem rever a estrutura contábil e fiscal dos contratos de compra e venda de energia, com atenção para perdas técnicas, inadimplência e risco de glosa de créditos.

7. Regimes Especiais e Incentivos: GD, ZPE, Reidi e Bens de Capital

Geração Distribuída (art. 28, §3º):

Exclusão da base de cálculo do IBS/CBS da energia compensada em sistemas de GD (até 1 MW), com preservação da política de incentivo à descentralização energética.

Zonas de Processamento de Exportação (art. 100):

Suspensão do IBS/CBS sobre energia renovável utilizada como insumo produtivo — importante avanço para parques eólicos e solares nas ZPEs.

Novo Reidi (art. 106):

Suspensão do IBS/CBS sobre bens, serviços e locações utilizados em obras de infraestrutura. Apesar disso, a LC 214/2025 omite critérios de habilitação, coabilitação e setores prioritários, criando insegurança para investidores.

Desoneração de Bens de Capital (art. 108):

Direito ao crédito integral e imediato de IBS/CBS, com possibilidade de suspensão e posterior conversão em alíquota zero. Há remissão a ato conjunto da União e do Comitê Gestor, o que exige atenção futura à regulamentação.

8. Autoprodução, Cashback e Reequilíbrio Contratual

 Autoprodução de Energia (art. 6º e art. 26):

As transferências internas entre estabelecimentos estão isentas. Os consórcios de autoprodução não são contribuintes, salvo opção pelo regime regular. Os consorciados assumem responsabilidade proporcional se não houver adesão.

 Cashback (art. 118):

Famílias de baixa renda terão devolução de 100% da CBS e 20% do IBS no fornecimento domiciliar. Os entes federativos podem majorar esse percentual por legislação própria.

Reequilíbrio Econômico-Financeiro (art. 373):

Previsto para contratos administrativos impactados pela majoração da carga tributária. A contratada deve apresentar requerimento e demonstrar o desequilíbrio econômico com documentos e cálculos.

A ausência de regulamentação clara pode dificultar o deferimento desses pedidos por órgãos da Administração Pública, especialmente nos contratos com cláusulas de preço fechado ou cláusulas arbitrárias de reequilíbrio.

9. Considerações Finais e Recomendação Estratégica

A LC nº 214/2025 remodela profundamente o sistema tributário incidente sobre o setor de energia elétrica. Se por um lado há simplificação aparente com a substituição de tributos, por outro surgem novos desafios operacionais, jurídicos e estratégicos, exigindo:

– Revisão e reestruturação dos contratos de fornecimento e transmissão;

– Adequação dos sistemas de compliance tributário e ERP;

– Monitoramento de regulamentações futuras (ex: Comitê Gestor do IBS, novo Reidi);

– Planejamento para aproveitamento de incentivos e regimes especiais;

– Estruturação de políticas de créditos, estornos e split payment;

– Avaliação prévia de impacto sobre tarifas, custos e repasse ao consumidor final.

As empresas do setor, especialmente geradoras, comercializadoras e distribuidoras, devem buscar assessoria jurídica especializada, para mitigar riscos, prevenir litígios e explorar as oportunidades que o novo regime oferece.

Nós da Moisés Freire Advocacia estamos prontos para assessorar sua empresa nesta época de transição!

Sobre o(a) Autor(a)

Fernando de Melo Monteiro Filho

Pós graduado em Direito da Economia e da Empresa pela FGV, pós-graduado em Direito Tributário pela PUC-MG, graduado em Direito pela PUC-MG e em Engenharia Mecânica também pela PUC-MG.

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