A Medida Provisória nº 1.303/2025, que institui um novo regime tributário para aplicações financeiras e ativos virtuais, tem sido alardeada como um avanço regulatório. Na realidade, revela-se um verdadeiro cavalo de Troia fiscal: apresenta-se como modernização, mas esconde um conjunto de normas regressivas, arrecadatórias e potencialmente inconstitucionais.
1. Abandono do Sistema de Incentivos à Poupança de Longo Prazo
A fixação de uma alíquota linear de 17,5% sobre os rendimentos financeiros é emblemática da desfuncionalidade da MP. Ao eliminar a tabela regressiva do imposto de renda – que premiava o investidor de longo prazo com menor tributação – o governo rompe com décadas de política pública orientada à poupança, à estabilidade e à previdência privada. A medida desestimula aplicações estruturais e direciona o investidor para produtos de curtíssimo prazo, corroendo a previsibilidade do mercado de capitais.
Além disso, instrumentos como LCI, LCA, CRI, CRA e debêntures incentivadas — fundamentais ao financiamento da agricultura, habitação e infraestrutura — foram alvos de um ataque fiscal disfarçado: passam a ser tributados em 5%. Um movimento que compromete o crédito direcionado e enfraquece setores estratégicos da economia nacional, sem qualquer contrapartida de melhoria na eficiência do sistema.
2. Tributação de Criptoativos: Criminalização da Inovação Financeira
A tentativa de disciplinar a tributação dos ativos virtuais até seria louvável, não fosse o tom punitivo com que se dá. O texto da MP trata os criptoativos como se fossem operações marginais ou especulativas por natureza, ignorando o ecossistema legítimo de fintechs, soluções de pagamento, tokenização e finanças descentralizadas (DeFi).
A vedação da compensação cruzada de perdas entre ativos virtuais e demais ativos financeiros evidencia um tratamento discriminatório, ineficaz e economicamente incoerente. Em um mercado já volátil e de alta complexidade, negar instrumentos básicos de amortização de risco é afastar investidores sérios e empurrar a inovação para o exterior.
3. Insegurança Jurídica e Violação da Anterioridade Tributária
A Medida Provisória ignora frontalmente princípios constitucionais estruturantes do sistema tributário. Ainda que preveja a entrada em vigor em 1º de janeiro de 2026, a utilização de MP para tratar de temas que alteram substancialmente a carga tributária afronta o princípio da reserva legal e a vedação de surpresa fiscal (CF, art. 150, III, b e c). A jurisprudência do STF, inclusive, já delimitou que matérias complexas e estruturais não podem ser tratadas por medidas provisórias, especialmente em temas de arrecadação e impacto setorial.
Além disso, a medida atinge títulos emitidos e integralizados antes de sua vigência, alterando o regime de tributação de contratos em curso. Isso representa uma possível violação do direito adquirido e da segurança jurídica, como já reconhecido no julgamento da ADI 2.591, que vedou a retroação de regras tributárias sobre rendimentos financeiros pactuados sob condições anteriores.
4. Erosão da Competitividade e Desestímulo à Poupança Interna
Em comparação com outros países emergentes, o Brasil já apresenta um dos maiores custos tributários sobre o investimento. Ao impor uma tributação linear e definitiva sobre ganhos de capital, aplicações financeiras e ativos virtuais — sem mecanismos eficazes de diferimento, compensação de perdas ou incentivo ao reinvestimento — a MP nº 1.303/2025 aprofunda o distanciamento do país frente a práticas internacionais de estímulo à formação de capital interno.
A consequência prática é clara: migração de capitais para o exterior, fuga de investidores qualificados, encarecimento do crédito privado e destruição progressiva da poupança nacional. Em vez de atrair recursos, o Brasil passa a repelir os próprios investidores.
5. Fragilidade Técnica e Delegação Excessiva à Receita Federal
Outro ponto alarmante da MP é a delegação desmedida de competências regulamentares à Receita Federal do Brasil, autorizando-a a dispensar obrigações acessórias, modificar critérios de apuração e alterar alíquotas em certas circunstâncias. Tal margem discricionária, sem a devida limitação legal e fiscalização legislativa, compromete a rigidez do sistema e cria uma zona cinzenta de hiperconcentração de poder fiscal no órgão arrecadador.
Além disso, muitos dispositivos remetem a “sistemas a serem implementados” e “critérios técnicos a serem definidos por regulamento”, o que deixa lacunas perigosas para os contribuintes, principalmente os de menor porte, que enfrentam a máquina estatal sem a estrutura de grandes players.
6. Conclusão: Uma Medida Provisória para Arrecadar, Não para Desenvolver
A MP nº 1.303/2025 é, em essência, uma medida de aumento de arrecadação, disfarçada sob o manto da “modernização tributária”. Sua edição por medida provisória, o uso de alíquotas fixas, o ataque aos incentivos fiscais legítimos e a institucionalização da insegurança jurídica refletem uma visão míope, fiscalista e centralizadora do papel do Estado sobre o mercado financeiro.
O Congresso Nacional, como instância de representação democrática, tem o dever institucional de rejeitar ou substancialmente reescrever essa medida, resgatando os pilares da segurança jurídica, da neutralidade econômica e da racionalidade fiscal. Do contrário, o Brasil caminhará para um cenário de retração de investimentos, desmobilização de capitais internos e maior concentração de poder arrecadatório sem transparência ou controle.