A Insegurança Tributária Gerada pelos Vetos à Exclusão dos Fundos de Investimento como Contribuintes

1. Introdução

A sanção parcial do PLP nº 68/2024, que inaugura a regulamentação do novo sistema tributário de consumo instituído pela Emenda Constitucional nº 132/2023, trouxe consigo uma série de vetos relevantes, sendo o mais emblemático aquele que suprimiu a previsão de que os fundos de investimento não seriam contribuintes do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). A medida gerou intensa repercussão no meio jurídico e econômico, suscitando dúvidas quanto à constitucionalidade do veto, à possibilidade de aumento indireto da carga tributária e à segurança jurídica dos veículos de investimento coletivo.

2. Fundamentação dos Vetos: Suposta Inconstitucionalidade por Ausência de Previsão Constitucional

Nos termos da Mensagem nº 88/2025 da Presidência da República, a justificativa para os vetos está assentada na alegada ausência de autorização constitucional para isentar os fundos da condição de contribuintes do IBS e da CBS. O argumento invoca o art. 156-A, §1º, X, e o art. 195, §16, da Constituição Federal. O primeiro estabelece que leis complementares podem prever regimes específicos de tributação, mas veda benefícios não previstos constitucionalmente. O segundo restringe a concessão de benefícios tributários relativos às contribuições sociais sem que haja fonte de custeio.

Ocorre que tal interpretação pode ser juridicamente questionada. A Constituição não exige que todas as hipóteses de não incidência sejam previstas no texto constitucional, o que ela veda é a concessão inconstitucional de isenções, o que não se confunde com a definição de sujeito passivo dos tributos. Assim, ao definir que certos fundos não seriam contribuintes do IBS/CBS, o PLP não estaria concedendo isenção, mas delimitando a hipótese de incidência tributária e o perfil do contribuinte à luz do fato gerador e da capacidade contributiva.

O próprio STF já assentou, por exemplo, que a definição do sujeito passivo deve observar critérios de adequação constitucional e lógica fiscal, não sendo arbitrária a sua delimitação por lei complementar (cf. RE 566.621, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 06/02/2015).

3. A Natureza Jurídica dos Fundos de Investimento e a Controvérsia sobre a Subjetividade Passiva

A controvérsia se agrava quando se considera a natureza jurídica dos fundos. Conforme a Lei nº 8.668/1993 e a Instrução CVM nº 555/2014, os fundos de investimento não possuem personalidade jurídica, são condomínios especiais. Sua gestão e movimentação se dão por intermédio da instituição administradora, que é quem figura nas relações jurídicas contratuais e tributárias. Assim, a definição do fundo como contribuinte direto do IBS e da CBS carece de suporte técnico, uma vez que o contribuinte deve ser alguém apto a figurar como sujeito passivo da obrigação tributária, nos termos do art. 121, parágrafo único, do CTN.

É dizer: a imposição direta de IBS e CBS aos fundos, sem clareza sobre a forma de cumprimento das obrigações acessórias e principais, pode violar os princípios da legalidade estrita (CF, art. 150, I), da capacidade contributiva (art. 145, §1º) e da segurança jurídica.

4. Regimes Especiais e a Lógica da Setorialidade na Reforma

Os vetos ignoram ainda a própria sistemática da LC nº 214/2025, que institui regimes diferenciados de apuração para atividades como serviços financeiros (art. 171), imóveis (arts. 251 e seguintes) e agroindústria. Os fundos, dependendo do objeto de sua atividade, estariam naturalmente sujeitos a tais regimes.

Por exemplo:

– Fundos Imobiliários que exploram locação de imóveis se enquadram no regime imobiliário, com apuração específica conforme os arts. 251 e seguintes da LC 214/2025;

– Fiagros que investem em imóveis rurais ou debêntures agropecuárias podem cair no regime de bens imóveis ou na regra de não incidência sobre rendimentos financeiros, conforme o art. 6º, inc. V, da LC 215/2025;

– Fundos de Participação (FIP) com alienação de participações societárias permanecem fora da incidência pela regra do art. 6º, III da LC 215/2025.

Portanto, a retirada da previsão de não contribuinte, por veto, não exclui necessariamente a exclusão do campo de incidência, pois esta se mantém por outras vias legais, reforçando a complexidade técnica da tributação indireta dos fundos.

5. Impactos Econômicos e a Potencial Violação aos Princípios da Reforma

Um dos pilares da reforma tributária é a busca pela neutralidade e não cumulatividade plena. A exclusão dos fundos como não contribuintes visava evitar distorções que pudessem gerar resíduos tributários. Com os vetos, há risco de que:

– Não haja direito a crédito de IBS/CBS sobre aluguéis pagos a FIIs, tornando-os mais onerosos que locadores pessoa jurídica convencional;

– Os fundos, ainda que operem sob estrutura coletiva e patrimonialista, sejam tratados de forma distinta, gerando ineficiência na alocação de recursos;

– As estruturas jurídicas passem a ser definidas não por razões econômicas, mas por arbitragem tributária, estimulando a migração de atividades para sociedades limitadas e holdings imobiliárias, o que distorce o ambiente de negócios.

Tal cenário compromete a neutralidade econômica pretendida pela reforma tributária, ao criar incentivos distorcidos que favorecem a constituição de estruturas jurídicas artificiais voltadas unicamente à mitigação da carga tributária. Esse desvirtuamento da lógica econômica das operações contraria diretamente os princípios de equidade, simplicidade e isonomia fiscal que orientaram a elaboração do novo modelo tributário.

6. A Judicialização como Caminho Iminente

Com o veto, o risco de judicialização é elevado. É possível que a matéria seja submetida ao crivo do STF sob os seguintes fundamentos:

– Ofensa ao princípio da legalidade estrita tributária, caso os fundos passem a ser cobrados por atos infralegais;

– Violação da capacidade contributiva, caso fundos que apenas intermedeiam recursos passem a ser tratados como efetivos contribuintes sem relação material com o fato gerador;

– Ausência de razoabilidade, considerando que o veto recaiu sobre norma que oferecia segurança jurídica e simetria tributária aos entes coletivos.

Além disso, o precedente do STF no RE 599.309 (rel. Min. Cármen Lúcia) poderá ser invocado para sustentar a impossibilidade de tributar estruturas intermediárias desprovidas de personalidade ou titularidade econômica direta dos recursos.

7. Um Vetor de Insegurança com Implicações Sistêmicas

O veto presidencial aos dispositivos que excluíam os fundos de investimento do rol de contribuintes do IBS e da CBS gera instabilidade em diversos níveis. Ele não apenas compromete a coerência lógica do sistema recém-criado, como também abre margem para interpretações divergentes que devem comprometer a eficácia da própria reforma tributária.

É necessário que o Congresso Nacional, ao deliberar sobre a manutenção ou rejeição dos vetos, considere não apenas os aspectos fiscais imediatos, mas os princípios estruturantes do novo sistema tributário, entre os quais se destacam:

– Segurança jurídica (CF, art. 5º, XXXVI);

– Neutralidade econômica;

– Não cumulatividade integral;

– Tratamento isonômico dos investimentos coletivos e individuais.

Caso mantidos os vetos, os contribuintes e operadores do mercado de capitais deverão recorrer ao Judiciário para obter segurança quanto à aplicabilidade (ou não) dos novos tributos, especialmente diante de estruturas legalmente constituídas que agora enfrentam um cenário de incerteza e potencial aumento da carga fiscal sem correspondente base legal sólida.

A equipe do Moisés Freire Advocacia acompanha de forma permanente os desdobramentos legislativos e jurisprudenciais relacionados à reforma tributária e à tributação dos fundos de investimento. Estamos à disposição para assessorar nossos clientes na interpretação dos novos dispositivos legais, na reestruturação de operações afetadas pelos vetos ao PLP nº 68/2024 e na adoção de medidas preventivas e contenciosas que assegurem a segurança jurídica e a eficiência fiscal de seus investimentos.

Sobre o(a) Autor(a)

Fernando de Melo Monteiro Filho

Pós graduado em Direito da Economia e da Empresa pela FGV, pós-graduado em Direito Tributário pela PUC-MG, graduado em Direito pela PUC-MG e em Engenharia Mecânica também pela PUC-MG.

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