Impactos da Extinção dos Benefícios Fiscais de ICMS na Reforma Tributária para o Setor Empresarial

O que está em jogo com a Reforma Tributária

Para compreender a dimensão das mudanças trazidas pela Reforma Tributária, é necessário, antes, entender como historicamente funcionou o sistema de incentivos fiscais no Brasil, especialmente no âmbito do ICMS.

O contexto histórico da guerra fiscal

Desde a instituição do ICMS na década de 1960, os Estados brasileiros passaram a utilizar esse imposto como ferramenta de desenvolvimento regional. Na prática, os governos estaduais passaram a conceder benefícios fiscais – como isenções, reduções de base de cálculo, créditos presumidos e diferimentos – com o objetivo de:

– Atrair empresas para seus territórios;

– Estimular a industrialização local;

– Gerar empregos e arrecadação indireta via outros tributos.

Esse modelo deu origem à chamada “guerra fiscal”, caracterizada pela competição predatória entre os próprios Estados, que buscavam oferecer os maiores benefícios para captar investimentos. Embora tenha produzido efeitos positivos para alguns Estados, especialmente os menos desenvolvidos, esse mecanismo também gerou graves consequências sistêmicas:

  • Distorções na concorrência, favorecendo empresas sediadas em determinados Estados em detrimento de outras;
  • Perda de arrecadação, tanto para os Estados que concediam benefícios sem contrapartidas adequadas quanto para os demais entes federativos;
  • Insegurança jurídica, uma vez que muitos incentivos eram concedidos à margem dos convênios exigidos pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ);
  • Judicialização intensa, com milhares de processos discutindo a legalidade desses benefícios;
  • Desequilíbrios federativos, acirrando as desigualdades regionais e prejudicando a harmonia do pacto federativo.

Os pilares da Reforma Tributária

Diante desse cenário, a Emenda Constitucional nº 132/2023 foi desenhada para enfrentar essas distorções estruturais, e seus pilares centrais são:

  1. Tributação no destino
    O imposto deixa de ser majoritariamente cobrado na origem — ou seja, onde a empresa está localizada — e passa a incidir no destino, ou seja, no local onde ocorre o efetivo consumo da mercadoria ou serviço.

Isso significa que Estados mais consumidores (como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro) terão maior arrecadação, enquanto Estados produtores ou que utilizavam incentivos fiscais como atrativo verão sua arrecadação migrar conforme o consumo.

  1. Eliminação progressiva dos benefícios fiscais estaduais
    Os incentivos fiscais, que eram utilizados como principal ferramenta de atração econômica pelos Estados, passam a ser gradualmente extintos, salvo aqueles que estiverem expressamente autorizados pela Constituição Federal — geralmente vinculados a setores de infraestrutura, transporte e desenvolvimento estratégico.

Quais são os objetivos desse novo modelo?

O redesenho do sistema tributário brasileiro busca enfrentar os vícios e disfunções do modelo atual, promovendo:

– Neutralidade tributária: As decisões empresariais deixam de ser baseadas em incentivos fiscais e passam a considerar critérios econômicos reais, como logística, proximidade dos mercados consumidores, disponibilidade de mão de obra qualificada e infraestrutura.

– Isonomia concorrencial: Empresas que atuam no mesmo setor passam a competir em condições fiscais iguais, independentemente de sua localização geográfica, eliminando as vantagens artificiais oriundas de benefícios fiscais regionais.

– Racionalidade econômica: A simplificação do sistema e a eliminação dos incentivos fiscais arbitrários reduzem a burocracia, os custos de conformidade tributária, os litígios judiciais e a complexidade operacional, tornando o ambiente de negócios mais eficiente e previsível.

– Fortalecimento do pacto federativo: Ao reduzir as guerras fiscais e concentrar a arrecadação no destino, o modelo busca reequilibrar as finanças públicas e reduzir os conflitos federativos.

O que muda com a Reforma Tributária?

A EC nº 132/2023 muda completamente esse cenário, atacando a raiz do problema da guerra fiscal de duas formas principais:

  1. Tributação no destino: O imposto passará a ser cobrado no local onde ocorre o consumo do bem ou serviço, e não mais no local de origem da mercadoria ou da sede da empresa Na prática, isso significa que não adianta mais a empresa se instalar em um Estado apenas por conta de incentivos fiscais, pois a arrecadação será destinada ao Estado onde está o consumidor final.
  1. Extinção dos benefícios fiscais estaduais: A Constituição passa a vedar progressivamente os benefícios fiscais de ICMS que eram usados como armas na guerra fiscal, salvo os que estiverem expressamente previstos na própria Constituição, como os relacionados à infraestrutura, transporte e desenvolvimento estratégico.

Quais são os objetivos dessa mudança?

  • Garantir igualdade entre os contribuintes, acabando com situações em que empresas concorrentes, fazendo a mesma atividade, pagam valores diferentes de impostos dependendo do Estado onde estão sediadas.
  • Corrigir as distorções concorrenciais, tornando o ambiente de negócios mais justo, competitivo e eficiente.
  • Uniformizar a cobrança dos impostos sobre o consumo, reduzindo a complexidade tributária e tornando o sistema mais transparente e previsível.

Na prática, o que isso significa para as empresas?

Empresas que antes escolhiam seus Estados de operação com base unicamente em incentivos fiscais precisarão rever sua estratégia. A localização passará a ser definida por critérios econômicos reais, como:

– Proximidade dos mercados consumidores;

– Eficiência logística;

– Disponibilidade de mão de obra qualificada;

– Infraestrutura de transporte e serviços.

Período de transição dos incentivos fiscais do ICMS

O legislador previu uma transição estruturada e escalonada, dividida da seguinte forma:

– Entre 2025 e 2028: os benefícios fiscais atualmente vigentes continuarão válidos na sua totalidade, sem qualquer restrição.

– De 2029 a 2032: inicia-se uma redução gradual dos incentivos fiscais vinculados ao ICMS, até sua completa extinção.

Essa transição tem como objetivo evitar rupturas abruptas, preservar a segurança jurídica das empresas beneficiárias e proporcionar adaptação ao novo modelo baseado no IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

Criação do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais

A Reforma Tributária reconhece que a extinção dos benefícios fiscais do ICMS pode gerar impactos relevantes nas empresas que, durante anos, basearam parte de sua estratégia econômica nesses incentivos. Por isso, foi criado o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiro-Fiscais, com a finalidade de mitigar esses efeitos durante o período de transição.

Esse fundo terá um caráter indenizatório, ou seja, sua função é recompor o equilíbrio econômico-financeiro das empresas que firmaram projetos de investimento ou estruturaram suas operações contando com benefícios fiscais de ICMS válidos e regularmente concedidos até 31 de maio de 2023.

A União destinará ao fundo um aporte estimado em R$ 160 bilhões, que será distribuído de forma escalonada entre os anos de 2025 e 2032.

Quem poderá acessar o fundo?

Terão direito à compensação as empresas que:

– Possuam benefícios fiscais ou financeiro-fiscais vinculados ao ICMS, concedidos por prazo certo e sob condição;

– Estejam com seus incentivos devidamente registrados e publicados, nos termos da Lei Complementar nº 160/2017;

– Estejam em plena conformidade com as exigências legais e contratuais associadas aos benefícios.

Como será o processo de habilitação?

Para acessar os valores do fundo, as empresas deverão:

  • Realizar um pedido formal de habilitação junto à Receita Federal do Brasil (RFB), no período compreendido entre 1º de janeiro de 2026 e 31 de dezembro de 2028;
  • O valor da compensação será calculado levando em consideração o impacto econômico gerado pela retirada dos incentivos, de acordo com critérios técnicos e metodologias que serão estabelecidos em regulamentação específica;
  • Uma vez deferido o pedido, o crédito será disponibilizado em até 30 dias;
  • Caso haja atraso no pagamento, o valor será atualizado com base na taxa SELIC, garantindo a preservação do valor indenizatório.

O que isso representa na prática?

O fundo funciona como uma rede de proteção financeira para empresas que formalmente aderiram a programas de benefícios fiscais e que, agora, precisarão se adaptar ao novo modelo tributário.

É uma medida que busca, de um lado, assegurar segurança jurídica durante o período de transição, e de outro, reduzir os efeitos econômicos negativos da retirada progressiva dos incentivos fiscais, evitando que empresas sejam surpreendidas por uma ruptura abrupta em seus custos operacionais financeiraInterface gráfica do usuário

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Critérios que ganham mais importância no novo modelo tributário

Com o fim progressivo dos benefícios fiscais estaduais, outros fatores passam a ser determinantes para a definição da localização de investimentos e operações, tais como:

– Infraestrutura logística adequada;

– Proximidade dos mercados consumidores;

– Qualificação da mão de obra local;

– Custo operacional regional.

Estes elementos, antes secundários diante dos atrativos fiscais, agora passam a ser os principais vetores de decisão empresarial.

O novo sistema permite incentivos fiscais?

Sim, ainda haverá espaço para alguns incentivos fiscais específicos, especialmente voltados a setores estratégicos ou que promovam desenvolvimento econômico estrutural, tais como:

  • REIDI – Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura;
  • REPORTO – Programa voltado à modernização da infraestrutura portuária e ferroviária;
  • RENOVAR – Programa de Renovação da Frota de Caminhões.

Estes regimes especiais estão resguardados pela nova legislação e continuarão operando dentro das regras do novo sistema tributário.

Conclusão: uma mudança de paradigma

A Reforma Tributária representa um divisor de águas na política de incentivos fiscais no Brasil. Se, de um lado, os atuais benefícios relacionados ao ICMS continuam válidos até 2032, a partir de 2029 inicia-se sua redução progressiva, tornando essencial que as empresas:

  • Revisem seus planejamentos tributários;
  • Acompanhem de perto as novas regulamentações;
  • Se preparem para o processo de habilitação ao Fundo de Compensação;
  • Adaptem suas estratégias operacionais, logísticas e contratuais ao novo ambiente tributário.

O desafio que se impõe às empresas é manter a segurança jurídica e alinhar suas operações às novas regras, sob pena de enfrentar riscos financeiros significativos decorrentes da perda de benefícios fiscais estruturantes.

Nós, da Moisés Freire Advocacia, estamos preparados para conduzir nossos clientes de forma estratégica e segura nesta transição, oferecendo assessoria jurídica especializada, análise de impactos e desenvolvimento de soluções personalizadas que garantam a conformidade tributária e a proteção dos interesses empresariais.

Sobre o(a) Autor(a)

Fernando de Melo Monteiro Filho

Pós graduado em Direito da Economia e da Empresa pela FGV, pós-graduado em Direito Tributário pela PUC-MG, graduado em Direito pela PUC-MG e em Engenharia Mecânica também pela PUC-MG.

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