A reforma tributária promovida pela Lei Complementar nº 214/2025 trouxe mudanças estruturais na tributação do mercado imobiliário, impondo um novo regime que altera significativamente a lógica vigente até então. As alterações refletem a adoção de um modelo tributário alinhado aos padrões internacionais de IVA (Imposto sobre Valor Agregado), impactando diretamente a forma como operações imobiliárias serão tributadas a partir de 2027.
O Novo Regime Tributário do Setor Imobiliário
O novo sistema estabelece que operações envolvendo imóveis passam a ser tributadas de maneira ampla, alcançando praticamente todas as transações, exceto aquelas realizadas entre pessoas físicas que não configurem exercício de atividade econômica.
A Lei Complementar nº 214/2025 trouxe as diretrizes gerais, mas deixou 11 pontos relevantes pendentes de regulamentação infralegal, a ser elaborada pela Receita Federal e pelo Comitê Gestor dos tributos. Entre esses temas, destaca-se a definição do “valor de referência” dos imóveis, que servirá como base de cálculo dos tributos. Esse valor será determinado com base em preços de mercado e dados provenientes dos serviços notariais, entre outros parâmetros técnicos.
Além disso, será aplicado o chamado “redutor de ajuste”, mecanismo destinado a equalizar a tributação de imóveis novos, usados e em construção no momento da transição para o novo sistema tributário. A regulamentação também precisará abordar situações complexas, como imóveis com múltiplas matrículas, copropriedade ou unidades reunidas sob um mesmo registro.
Adoção de Práticas Internacionais
O modelo brasileiro foi construído a partir das melhores práticas internacionais, buscando evitar lacunas comuns em sistemas de IVA no que se refere à valorização patrimonial e à tributação de bens adquiridos anteriormente à implementação do novo regime.
A utilização do valor de referência e do redutor de ajuste visa mitigar distorções e assegurar maior equilíbrio na tributação das operações imobiliárias, evitando as omissões observadas em experiências internacionais.
Efeitos Econômicos e Tributários
Embora haja a promessa de manutenção da carga tributária setorial, o novo modelo redistribui essa carga de forma mais transparente. A tributação, que antes era indireta e embutida no custo dos insumos, passa a incidir diretamente sobre as operações imobiliárias.
O regime atual não prevê a incidência direta de ICMS, PIS/COFINS e IPI sobre aluguéis e vendas de imóveis, mas onera essas operações de forma indireta, uma vez que impede o aproveitamento de créditos relativos aos insumos. Com a reforma, elimina-se essa cumulatividade oculta, deslocando a tributação para a ponta da cadeia, tornando-a visível ao consumidor.
Entre os efeitos econômicos esperados, destacam-se a desoneração de operações como obras públicas, aquisição de imóveis empresariais e de unidades habitacionais de menor valor, especialmente aquelas vinculadas ao programa Minha Casa, Minha Vida. Por outro lado, imóveis de maior valor tendem a sofrer aumento na carga tributária, conforme simulações realizadas por órgãos públicos e pelo setor privado.
O novo modelo também estimula práticas construtivas mais eficientes, como o uso de estruturas pré-moldadas e pré-fabricadas, além de facilitar a terceirização de serviços, antes desincentivada pelo efeito cumulativo dos tributos.
Pontos Críticos e Desafios
Apesar dos avanços, o novo regime apresenta pontos sensíveis que demandam ajustes.
Um dos principais problemas decorre da tributação da cessão de uso de imóveis por holdings patrimoniais para sócios ou familiares. Nessas situações, a operação será tratada como fato gerador de imposto, mas, por ser classificada como uso pessoal, não conferirá direito a crédito tributário. Tal vedação contraria o princípio constitucional da não cumulatividade, além de gerar insegurança jurídica relevante.
Outra distorção relevante resulta da diferença no tratamento fiscal entre locação e aquisição de imóveis. A locação contará com redução de 70% na alíquota, enquanto a aquisição terá redução de 50%. Além disso, apenas a aquisição fará jus ao redutor de ajuste, mecanismo que não será aplicável às operações de locação. Essa assimetria pode gerar cumulatividade indevida e desequilíbrios concorrenciais dentro do setor.
Adicionalmente, a complexidade na aplicação do redutor de ajuste impõe desafios operacionais e interpretativos que, se não forem bem resolvidos na regulamentação infralegal, podem gerar elevado contencioso tributário.
Implementação e Fiscalização: O Desafio Estrutural
A eficácia do novo regime tributário não dependerá exclusivamente da qualidade das normas editadas, mas sobretudo de sua implementação. A necessidade de harmonizar os interesses da União, dos estados e dos municípios, associada à resistência de determinados setores econômicos, representa um desafio relevante à consolidação do modelo.
A efetividade da reforma dependerá, portanto, de regulamentações claras, de uma administração tributária eficiente e de um sistema de fiscalização robusto, capaz de assegurar segurança jurídica e estabilidade nas relações econômicas.
Considerações Finais
As mudanças trazidas pela reforma tributária no setor imobiliário representam um novo paradigma, que exige atenção redobrada por parte de empresas, investidores, fundos patrimoniais e operadores do direito.
A adequada compreensão das novas regras, bem como o acompanhamento da edição dos atos infralegais que complementarão a legislação, serão essenciais para garantir segurança jurídica e planejamento tributário eficiente.
Diante desse cenário, torna-se indispensável a adoção de medidas preventivas e a reavaliação das estruturas negociais e patrimoniais existentes, a fim de mitigar riscos e aproveitar as oportunidades que o novo modelo tributário proporcionará.
O escritório Moisés Freire Advocacia permanece à disposição para prestar suporte jurídico especializado, oferecendo soluções estratégicas que assegurem conformidade, economia fiscal e segurança jurídica na transição para o novo regime.