Imagine a seguinte situação hipotética:
“X” realizou a compra de um automotor em uma concessionária de veículos. Após algum tempo, percebeu alguns problemas mecânicos. Ocorre que, mesmo após esperar a garantia por mais de 30 dias, não teve seu pedido atendido. Inconformado, a consumidora procurou o PROCON para registrar uma reclamação. Na audiência de conciliação realizada no PROCON, não foi aprestada proposta de solução, pois a concessionária de veículos alega que houve uso inadequado do automotor, o que culminou no defeito. Diante disso, o PROCON aplicou uma multa administrativa correspondente 5x o valor do veículo à concessionária de veículos.
A empresa, insatisfeita, ajuizou ação pedindo a anulação da multa sob o argumento e que o PROCON não teria competência para aplicar multas.
Esse argumento da empresa de telefonia é aceito pela Justiça?
NÃO.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) criou um microssistema normativo que abrange normas gerais e abstratas, incorporando preceitos de diversas áreas do direito: civil, administrativo, processual e penal. A proteção ao consumidor é organizada no Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), que reúne órgãos públicos e entidades privadas responsáveis, de forma direta ou indireta, pela defesa dos consumidores.
Os Procons são órgãos estaduais e municipais de proteção ao consumidor, criados pelas legislações locais. Suas funções incluem:
• Fiscalizar condutas infrativas;
• Aplicar penalidades administrativas;
• Orientar consumidores sobre seus direitos;
• Planejar e executar políticas de defesa do consumidor em suas áreas de atuação.
Poder de Polícia Administrativa
O exercício do poder de polícia administrativa é compartilhado entre órgãos das diferentes esferas federativas. Quem infringe as normas de consumo está sujeito às sanções previstas no art. 56 do CDC, regulamentadas pelo Decreto nº 2.181/97.
As sanções podem incluir:
• Multa;
• Apreensão de produtos;
• Cassação de registro de produtos;
• Suspensão de fornecimento de produtos ou serviços;
• Suspensão temporária de atividades;
• Interdição parcial ou total de estabelecimentos, obras ou atividades;
• Imposição de contrapropaganda.
Conforme o § 1º do art. 18 do Decreto nº 2.181/97, pode ser penalizado quem, por ação ou omissão, der causa à infração, concorrer para sua prática ou dela se beneficiar.
Portanto, o Procon tem legitimidade para aplicar sanções administrativas quando condutas no mercado de consumo violam os interesses dos consumidores, exercendo o poder de polícia conferido no âmbito do SNDC. A atuação do Procon, porém, não substitui nem se confunde com as atividades regulatórias setoriais realizadas por agências reguladoras. Estas têm objetivos mais amplos, como:
• Garantir a continuidade e universalização dos serviços públicos;
• Preservar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão;
• Assegurar a modicidade tarifária.
Esse entendimento, inclusive foi objeto de súmula expedida pelo Superior Tribunal de Justiça no final do ano de 2024:
Súmula 675-STJ: É legítima a atuação dos órgãos de defesa do consumidor na aplicação de sanções administrativas previstas no CDC quando a conduta praticada ofender direito consumerista, o que não exclui nem inviabiliza a atuação do órgão ou entidade de controle quando a atividade é regulada.
STJ. 1ª Seção. Aprovada em 13/11/2024, DJe de 25/11/2024 (Info 835).